Ironman e agora?
fotografia sacada da NiT
Este fim de semana houve em Cascais uma prova de Ironman. São homens e mulheres que voluntariamente e depois de meses, anos, de treino estão dispostas a percorrer cerca de 226km entre natação, ciclismo e atletismo. Se neste momento estão a pensar quanto vos teriam que pagar para fazer uma coisa destas, ficam já a saber que cada um dos participantes pagou cerca de 500€.
São 2,21€ por KM . Isto são pessoas que não se podem queixar do preço da gasolina. A menos que tenham ficado 20 minutos às voltas para arranjar lugar mesmo junto da baía de Cascais onde começava a prova. “-Vou fazer 226km ,mas tenho que arranjar um lugar à porta , porque não estou para andar muito!”
Para uma pessoa semi sedentária como eu é intrigante que hajam mais de 4400 pessoas inscritas numa coisa destas. Em teoria a espécie humana evoluiu, e essa evolução foi acompanhada exactamente pela diminuição da actividade física necessária para sobreviver. A “evolução” caminha no sentido de ficar horas seguidas imóvel a ver netflix e a comer ben and jerrys que nos são entregues por estafetas que se deslocam também eles sentados em veículos motorizados. Não em passar entre 9 e 14 horas em esforço fisico, músculos das pernas , dos braços, sistema circulatório, sistema respiratório, tudo no limite. Pela evolução tal esforço só é tolerável, quanto muito, ao estômago e ao fígado.
A disciplina, foco, força de vontade, necessárias a convencer o nosso corpo a preparar-se para uma prova destas… É preciso termos uma espécie de ditador dentro de nós. Nenhum organismo que viva em democracia consegue convencer-se a tal esforço. Num organismo que o voto das papilas gustativas, da preguiça, do sono.. valham o mesmo do que o voto da endorfina ninguém se convenceria a fazer uma prova destas. Eu vivo em democracia, uma espécie de geringonça em que é preciso negociar para aprovar o orçamento , como vão ser gastas e consumidas as calorias. No sábado bebo 10 imperiais mas na segunda vou ao ginásio, no Natal como que nem um boi, mas em Janeiro é mês de sopas… Nunca me conseguia convencer a entrar numa prova de 226km, para isso o meu Bloco de Esquerda e Iniciativa liberal teriam que conseguir formar governo.
Não pude deixar de reparar que o maior número dos inscritos são homens dos 30 aos 45 anos. Tendo em conta as horas de treino que isto envolve, li que chegam a treinar 4 horas por dia, isto só me faz pensar que há casamentos mesmo muito difíceis de aturar. Mas há sua maneira são todos. Todos nós temos que arejar a cabeça. Há aquelas escapadelas naturais esporádicas do “vou beber uma imperial com amigos” , “domingo vou ao futebol”. Depois há aquelas mais regulares, começar a fazer surf , ir caçar/pescar que começam a ocupar envergonhadamente as manhãs de fim de semana. Há quem não tenha queda para o desporto, entra na maçonaria, começa a restaurar um carro antigo. Depois há o cúmulo dos descarados “vou começar a jogar golfe”.O Ironman é o extremo oposto desta última, há uma penitência física por sair tantas horas de casa, por não fazer o jantar, não tirar a loiça da máquina, não levar com as birras dos filhos, não ter tempo para ver aquela série que a tua irmã gostou tanto… Aqueles homens estão a fugir literalmente disto tudo, fugir de todas as maneiras humanamente possíveis: a nado, de bicicleta a correr! O Ironman é o maior dos gritos de socorro, o limite do desespero. E o desespero maior deve ser pensar: o que fica para fazer depois disto tudo?